sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Universo Monique

UM

Monique é a filha de um velho senhor morto, claro, ele era vivo antes que pudesse perceber-se indulgente a algumas calamidades psico-afetivas. Um pai que marcou seu corpo através de agressões de chineladas, cintos de couro e varas de marmelos. Não tinha mãe. Essa por sua vez deixou a vida quando deu a luz a um irmão sem vida. Talvez a vida não foi compassiva com nenhum dos dois corpos. Dois mortos, ligados por um fio, que uma ciência chamou de cordão umbilical. A morte é assim, um fio despretensioso que gera e que também sufoca.

Medrou-se a menina. Adolescente ficou e tornou a apanhar do tratado que a vida lhe propunha. Perdeu o pai, pessoa singular em sua vida, que mesmo diante das grandes frustrações, era a certeza de um recolhido de afetos sanguíneos. O homem a quem chamava espontaneamente de pai, entregou-se a uma emboscada cavada por ele mesmo. A combinação nada perfeita de uma droga barata e uma bebida vagabunda, estacou seu fodido coração acorrentado a tempos de insuficiência cardíaca. Eram prisioneiro de um marca-passo ou morte-a-passo? Sobrou a menina, a semente mal plantada e um terreno infértil. Faltavam-lhe o arado de uma vida submetida a desesperos terapêuticos e homeopáticas. Não tinha nada nem ninguém. Apenas restou-lhe as inconformidades de viver.

Largou aos prantos a escola onde se firmara tarde. Desprendeu-se dos amigos. E lançou fora o sorriso. Adquiriu vícios. Talvez influenciada pelo pai ou simplesmente por saber que qualquer boa droga nos tira de nós, pelo menos nos poucos instantes que passamos despercebidos no efeito que só ela tem. Desenvolveu o habito por si própria por grandes leitores e por assim também, a escrever. Eram cartas destinadas a ninguém, pois ninguém era o que ela tinha.

Manter-se, em qualquer período ou localidade, precisa do pressuposto dinheiro e Monique foi fazer o seu. Começo a trabalhar em uma casa noturna. Daquelas em que garotas dançam quase nuas sobre um balcão e no chão, continuar vestida é apenas a opção de quem estava naquele ambiente. Entenda, ela apenas trabalhava no balcão do bar. Servia a todos os tipos de gente, mas não se servia. Folgava as quintas-feiras e entregava-se a rituais já convencidos, que a detinham. Eram fatores que talvez a mantivesse de pé, sem titubear ou mesmo cair em um poço fundo de desgosto. Monique não era feliz. Mas acostumou-se a regalias de contentamentos a base de benzoilmetilecgonina e a fantasias contadas em uma autobiografia desprovida de papel e caneta.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Janaína foi festejar

Janaína, a jovem da Ilha de Anchieta decidiu passar uma virada de Ano por aí. Escolheu seu melhor vestido, e foi um azul claro com retalhos brancos transparente. Ela era bela, assim como eram belos seus passos andados como se fosse a ginga de um samba bom. A menina mulher, subiu os morros e foi festejar com seus amigos, que os tinha como filhos.

Era sábado a noite, depois da meia-noite e lá ia a moça, sempre sorridente e acenando a todos por quem passava e o povoado se admirava com a doçura e delicadeza de Janaína. Ela tinha cheiro de rosas e o deixava por ali, entre as vielas esse cheiro de rosa branca, recém colhida em algum belo roseiral.

A festa estava acontecendo em todos os cantos, mas ela por sua vez decidiu apenas estar entre aqueles que de fato queriam sua companhia. Se afastou de quem queria a maldade e depositava nas praias perto de sua casinha. Ela foi para a floresta, para a cidade e também no mar. Ela estava onde as coisas eram positivas. Acomodava-se entre as pessoas que tinham sonhos e medos. Entre as crianças, jovens e velhos. Dava firmeza as casais e prosperidade para quem desejava iniciar um novo ritual de começo de ano. Jana, Janaína não se afastava dos seus amigos, mesmo estando presente nos lugares onde haviam lágrimas e risos. Ela podia sentir os corações. A jovem era o coração de tudo que há de bom.

Era tarde, e Janaína precisava voltar para casa. Talvez seu pai a estivesse procurando. Ou ela precisava dar uma organizada em alguns presentes que a noite de um ano novo sempre lhe guardava. Muitos admiravam a jovem que trazia uma singela harmonia as casas, as vidas... E ofertava-lhe coisas lindas e depositavam na beira de sua casa.

Janaína beijou as todos. Desejando-lhes um ótimo ano. Mas antes de sair, pediu aos jovens que entoavam em um luau em volta de uma fogueira, para cantar uma coisinhas. Todos a observavam. Os corações agitados pela festa, se deixaram envolver pela voz da menina de vestido azul e branco. Ouve uma festa maior no céu. As estrelas parecem ter fortalecido seu brilho próprio. E ao final, ela falou alto e em bom tom: espero a todos novamente em minha casa num dia dia dois de fevereiro. A festa é minha, para vocês meus amigos e filhos que eu amo tanto.

Ela saiu, pelas portas... E quem tentou acompanhar seus passos, se perdeu por segundos até que seus olhos não pudessem mais ter a certeza do que via. Era uma jovem bela, cheia de feitiço bom. Ela pode ser encontrada na Floresta, nas cidades... Mas em especial nas praias. Ela é uma caiçara de sorriso largo e gestos simples. Ela é rica, mas dá suas fortunas a seus filhos carentes. Dizem que o amor dela se dá quando se quer amor. E isso, é coisa que só uma mãe de verdade pode dar a seus filhos.

O Dô Sei Abá!

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O buraco do Natal da Silva

Sentia-se o cheiro de nozes frescas na Rua das Consolações. No alto do morro, enxergava a árvore figurativa de um próximo Natal. E de fato, faltava apenas algumas horas para as mesas familiares ganharem pessoas em volta e muitas cores alegres. Era a chamada ceia natalina.

Adriano apenas estava naquela rua. Não pertencia a ela, mas ela pertencia ao garoto de cor marrom e olhos castanho claro. Se perderá a alguns anos por ali. Não tinha família, nem amigos. Não tinha casa, menos ainda uma cama. O que ele tinha era o pouco, mas restará-lhe o tudo. Era um brilhante contribuinte para toda aquela vizinhança. Sempre que precisavam de um quebra-galhos, lá estava ele, sempre disposto a ajudar por algumas moedas ou pão velho.

Chegava a noite. Glamorizava as meninas da redondeza com seus vestidos curtos e abertos nas costas. Entre os rapazes se sentia o cheiro de um perfume bom e novo. As fragrâncias se uniam ao gosto de um bom pernil assado a horas para ser alimento de famílias que por mais tempo viveram de alimentos orgânicos para manter-se em forma. E ao maltrapilho da rua, ficava apenas o pedaço requintado de um almoço frio e desgostoso. O seu cheiro era anulado pelas conversas exibicionistas de quem espera um belo presente que chegará a noite. Adriano tinha para beijar, afronte da estrela do alto céu, a única que ficou parada, talvez fosse a sentinela que guardava a imensidão dos raios de luz que transmitia a Lua. As outras estrelas, em constelação deveria ter ido se embelezar para também cearem entre si a noitinha.

Um tal de galo tornou-se subitamente o ponto principal na maioria das casas e todos seguiram-se na mesma direção, entraram em uma casa de oração com uma cruz ao alto. Ali as pernas despidas das moças se entrelaçam-se entre os balanços trêmulos em cima de um sapato alto e muito bonito. As senhoras enroscavam em seus pescoços um pano largo e grande e os seus acompanhantes tragavam o último instante de cigarro antes de entrar por entre aquelas portas grandes talhadas com imagens santas. Era a Missa do Galo, ouviu da boca de um garoto acompanhado de seus pais. E Adriano pensou: Missa do Galo? Mas onde será que entra o animal?

O menino ficou do outro lado da rua. Do lado de fora. Longe da grande celebração. Ele não era convidado. Deixaram-o de fora pois ele não tinha família, dinheiro e nem roupas bonita para estar entre os que estavam em multidão.

Acompanhou cada movimento do homem que vestia uma roupa estranha e meio prateada. Ficou esperando ver o tal galo. Mas o bicho não aparecia. E ali permaneceu, até que em fila, um atrás do outro, iam em direção a mesa que havia bem lá no fundo e que hora ou outra o homem se sentava por detrás dela junto com dois meninos vestidos de branco.

Acabou, e todos iam saindo entre abraços, beijos e felicitações de Feliz Natal. Era uma festa linda entre todos. Mas Adriano não fazia parte daquele mundo. Até que uma garota que aparentava ter a mesma idade do menino apontou para ele e disse alto e em bom tom: Jesus. O menino não entendeu, mas todos o olharam com admiração e foram em direção a ele, que foi se afastando do aglomerado de pessoas que pareciam ter encontrado alguém muito especial ali perto dele. Apareceu-lhe ao lado uma moça com um vestido branco e com a cabeça coberta por um lenço também branco que disse apenas: meu Filho...

Adriano acordou. Ainda faltavam dois dias para o Natal e sua lista de presentes era imensa. O sonho o fez correr rapidamente para a árvore de Natal de sua casa e pegar a lista que estava lá e rasgar. O menino compreendeu o sonho apenas na noite de natal ao ver na televisão que um buraco formado por uma chuva intensa em uma cidade distante, engoliu para dentro dele uma família inteira. E essa família teria o Natal com o Protagonista.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Hey João, a Lua está ali

Entre as nuvens do céu escuro, observava o clarão da Lua ao fundo. Era um misto de luz fria e vento quente. E assim se prenunciava um eclipse da madrugada. Era ansiado por João e Rafael, como nos antigos tempos que se espera por uma profecia.
Os dois amigos confidencias, marcaram de se encontrar pela madrugada. Entre a prosa de um encontro solto e cheio de metáforas. Eles tinham em mente, passar a madrugada juntos. Revelando-lhes seus segredo e suas verdades. Era algo que uma dose de cumplicidade podia oferecer.
Era quase duas horas da manhã, mas o eclipse pelo qual se encontraram para celebrar, aconteceria algumas horas depois. Buscaram na cidade adormecida, a bebida certa para sacramentar a amizade construída em pouco tempo, mas alicerçada na esperança de conhecer mundos diferentes.

Entre os cigarros acesos e suas receptivas fumaças, sentia-se no ar as palavras ditas entre os bocejos e as frases soltas de um vocabulário juvenil. Eram frases desajustadas que somente entre amigos eram poemas de uma antologia poética da vida.
As latas quente de cervejas, misturadas ao goró forte de um alambique velho. Boca suja, ar ofegante. Assim estavam os dois caminhantes em busca do semi-brilho da lua e sua mística proteção astral. Eles estavam em busca de uma magia que se alinhava com a amizade.
Chegou a hora. Era o horário que tinham visto nos jornais que se daria o eclipse. Sentaram-se em uma praça pública, onde se enxergavam apenas um outro grupo de jovens. Havia um cheiro ímpar no espaço. Era uma erva quente e bem apertada. E entre a fumaça que rodeava o ambiente, parecia haver também uma fumaça sofisticada entre o céu e a terra. Talvez fosse o horário que traz por si própria, o seu momento de resfriamento, mas também podia ser...
Continuavam a falar, mas os olhos se fixaram no céu, nas estrelas e na Lua. Era redonda, brilhante. Nunca tiveram reparado na formosura que tinha em contemplar face a face aquela pequena esfera gigante. Era um redondo perfeito e que trazia dentro dela, o mito do Cavalheiro lançado sobre o dragão. Não viram o que muitos dizem ver, mas agradeceram por estar ali. Era um presente que a união desses afetos de tão pouco tempo os oferecia.
Passaram-se alguns minutos a mais do que haviam proposto as mídias para tal acontecimento. Eles pareciam pacientes. Tinham a delicadeza de esperar até que algo se manifesta-se sobre os olhos deles. Estavam altos pelos tragos fortes da mesma erva que outrora haviam presenciado pelo cheiro. E inebriado pelo líquido de cor amarelado que descia sobre a garganta, retirando os nós de questionamentos sobre a relação difundida entre as letras de um teclado preto.
Já quase amanhecia, e a Lua apenas sumia pelo simples fato de estar em sua hora de se recolher. Não houve eclipse. Ouve apenas uma voz ao final de tudo:
- Hey João, a Lua está ali.
Ouve um olhar desapontado de João. Parecia imerso de insatisfação. Estivera ali para ver com seu amigo uma acontecimento um tanto que histórico. Principalmente na vida de cada um dos dois.
Rafael, retirou de sua bolsa uma caneta e um papel. Escreveu nela, alguma coisa que somente seu amigo conseguiu ler. Parecia bom, devolveu tom aos textos de seu amigo sem tom.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Direito de ser ela

Gabriela desenhou no chão uma ampulheta com um pedaço de tijolo velho. Escreveu verticalmente seu nome dentro dele, substituindo a matéria areia, pelo seu pequeno projeto de vida. Para alguns, talvez fosse apenas um desenho que demarcasse um espaço, mas para os pouco chegados, sábia que aquilo trazia algo de místico. Era o sonho da pequena menina que sonhava em ser grande como a Sacerdotisa das velhas cartas de tarot de sua mãe, D. Iracema.

Trazia consigo a esperança de ultrapassados sonhos e movia seu mundo a partir dos pequenos retalhos de uma história mal contada pelos acontecimentos trágicos de uma vida sem ninguém.

O pai ela não tinha. Era almirante de um barco a vela que se perdeu no grande mar que lhe proporcionou o destino. Não o conhecera. Só sabia do pouco que lhe fora reservado como direito a um ponto de partida.

Envolvida em seus jogos e a ganância de prever o futuro, D. Iracema não tinha Gabriela. Perdeu a filha minusciosamente nas entrelinhas de um misticismo sujo e barato. Gabriela também teve que lançar-se ao mar. Navegar sozinha em seu apertado e cheio de furos barco.

Acostumou-se com a miséria de afetos dos que se achegavam comovidos por pena. Tragou em seu peito um ar de desdém e engoliu para dentro de si, as estranhezas subversivas de livros sujos de auto-ajudas, que a pouca intelectualidade lhe proposura ler.

Não pode voar em seus planos. Suas utopias, maiores que ela mesma, eram suas e pouco suficientes para sequer lançar fora o terreno baldio que se instalou em sua psicanálise barata. Teve sempre que aceitar os lixos ditos reciclados em seus solos, pois tudo se refinou num tom primoroso, drenando somente vermes de uma causa injusta.

Viveu com sentimentos filantrópicos. Daqueles que só favorece a quem de fato doa, mas nunca quem tem o direito de receber. Filantropismo não sustenta, não move. Apenas consome. E pensar que o sonho dessa garota era apenas ser grande.

O tempo lhe tornaria grande o suficiente para que pudesse perceber que era pequena. Delimitada pelo espaço. E que a mulher das cartas de um papel velho, era apenas um desenho mal interpretado de todo o avesso. Era pretensão demais para quem tinha tão pouco.

Faltava-lhe os pecados, as desilusões afetivas. Essa já tinham sido roubadas antes mesmo que ela pudesse ser gente. O espaço do lado de fora era maior que o que tinha por dentro. Era algo cheio de vazio. Uma limitação ponderada a regalias de laços desfeitos. Foram os desajustes tirados pelos seus pais. Que a fazia pensar com piedade deles também, pois pensava que também pudessem sido tirados algo da essências daqueles que apenas a gerou.

Furtaram o seu direito de ser Gabriela, Iracema, Beatriz, Sacerdotisa. Entregaram-lhe como tarefa a responsabilidade de submeter-se a não ter nada, ninguém e mais nada. Sobrou apenas uma hist´ria para ser contada por um contista qualquer. Num tempo qualquer. Em algum lugar, mesmo que seja qualquer. Gabriela tinha sonhos. O seu contador também. Isso fez com que ela apenas deixasse de existir nas linhas, para viver uma experiência longe daquela gente cheia de ódio e pecado. Ela partiu, mas deixando em seu coração uma volta.

domingo, 12 de dezembro de 2010

O jardineiro, a flor e a metáfora

Já não era dia, mas ainda datava sexta-feira, e o jardineiro continuava a cuidar fielmente do jardim de Beatriz, talvez ele ainda estivesse ali pelo fato de naquele período, os horários não eram os de fatos sucumbidos ao espaço do tempo.

Rafael, o jovem com experiência tamanha em adornar jardins, aprendera o ofício com seu pai ainda quando pequeno, por isso carregava em si grande aptidão com o que a natureza propunha a oferecer aos olhos de homens e mulheres que buscassem um jeito novo de contemplar a vida.

Beatriz era jovem e carregava consigo a beleza ímpar de um princesa desses novos contos de fada. Rafael era belo, inspirando em si, a perfeição de um amontoado de flores bem cuidados. Eram as diferenças encontradas sobre um mesmo espaço recortado pela imaginação de cada um.

O momento era favorável a uma prosa entre os jovens que demonstravam apresso imenso um pelo outro, devendo-se levar em consideração que já se conheciam desde pequenos. Sendo os seus pais, velhos amigos dos tempos de mocidade. Estavam acostumados a estar em alguns momentos juntos, mas nunca tão próximos, pois suas vidas tiveram rumos e situações diferentes daquelas sonhadas quando ainda brincavam e sonhavam apenas em mudar o mundo.

Beatriz demonstrava certo contentamento em ver Rafael ali, talvez trouxesse para fora de si esperanças, sonhos, desejos ou sabe-se lá o que. Mas talvez aqueles encontros, quase que mensais lembrassem a ela de quem era de verdade. A jovem perderá os pais em um acidente de návia que partia rumo a uma expedição missionária em meio a África, e como ela ainda era muito jovem, ficou sob os cuidados de sua avó, vindo a falecer alguns anos depois. Talvez a senhora só tenha esperado Beatriz crescer para poder partir também.

O jardineiro, era uns dois anos mais velho que Beatriz. Era quase um adulto, mas parecia um menino quando estava entre as flores. Morava com a mãe. Seu pai, morreu em meio a uma batalha travada na capital de sua cidade. Deixou para o filho, a esperança de poder encontrar nas flores, o elixir de uma vida justa, regada e harmoniosa. Plantou dentro dele, mesmo com as ausências, afetos sólidos e construtivos. Tornou o menino em um homem, dando-lhe espaços para os sonhos e medos. Abrindo as portas para o mundo mas também o trancando quando devaneios passavam e poderiam raptar a dignidade do menino homem Rafael.

Ao encontro dos dois na varanda, ouviu-se bem ao fundo, a trilha sonora que embalou a época dos dois jovens, que foram marido e mulher em suas épocas de brincadeiras. Era uma letra de beleza sem igual que dizia: “O amor é real, realidade é o amor / O amor é sentir, sentindo amor / Amar é querer ser amado¹...” Mas antes que as emoções começassem a aflorar a pele, apareceu-lhes entre ele a metáfora. Algo como a terceira pessoa do singular, não deixando espaço para que Beatriz e Rafael vivessem o que a tempos começaram, mas que nunca conseguiram consumar. E restou a metáfora amar o seu progenitor jardineiro. E a Beatriz, a metáfora também amou. Se sabe apenas que esse amor existe, mas quem alguém terá que ceder seu espaço para que a flor possa florir.

¹Love – John Lennon

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O tempo e eu

Assumindo a condição de infinitude, o tempo foi requerer ao seu criador o seu direito reservado de ser quem é e a plena justificação de suas horas prestadas de serviços gratuitos.

Questionou. Tornou-se os por ques em dilemas, onde só quem teria a resposta seria o seu mais chegado Kairós. Duvidou da física que a quantificou-o em movimento analógico, desenvolvendo assim um diagnóstico psicossomático, passando a assumir uma condição meramente humana para as análises de um Tal Dr. Saturno, senhor de tudo que cabe no espaço, sem as designadas linhas das certezas contextuais.

Chorar ao mundo, foi a maneira mais fácil que encontrou para demonstrar suas fragilidades. Juntou-se aos misticismos de uma tragédia próxima e aos ritos de uma geração desenfreada em comunhões aqui ou acolá. Dormiu o sono dos inocentes e massificou entre as construções de recônditos subconscientes, ao qual o mundo depreciou entre terapias e psicanalises.

Procurou ainda entre as sessões de psicografias, cartas escondidas de sua senhora mãe Gaia, que deixou-se morrer quando os seus filhos feitos em carne humana, entronizaram ao mundo seus reis particulares e seus temidos presidentes. Sábia ela que seu organismo nunca mais seria o mesmo com a miséria que um dia lhe entregariam no banquete da noite seguinte.

Encontrou seu fim onde havia promessa de vida abundante. Viu sua morte tão próxima que não sobraria tempode compor a sua melodia psicobiografica. Não teria com quem compartilhar cartas filosóficas. Ensaios metodológicos e menos ainda artigos fenomenológicos. Teve que se acostumar com o que diriam e inventariam a seu respeito. Temia aos contos de escritores “moderninhos” e roía de ódio pelas comparações paradoxais que moralistas pré-contemporâneos iram argumentar em seus cultos.

Foi se confortando, juntando suas coisinhas que espalhara pelos cantos subversivos e juntando tudo dentro de um grande saco desgostoso e apertado em meio a escombros e nucleares. Concentrou-se apenas em pegar tudo, não deixar nada como herança. Tornou-se egoísta. Eternizou o fim dos tempos, seus filhos mais novos e lançou sobre o que viesse depois dele a maldição de terem que aprender a serem homens.

Antes deles, só houve um dia de choro e ranger de dentes. Após eles, todos estariam sucumbidos a essa façanha pregada em evangelhos particulares. O mundo sem o tempo, seria a partir de um novo olhar metafórico, a depravação de um despejar da coisa cheia em sua forma vazia.

Deixaria como peso para os ombros, aquilo que futuramente chamaram de poetas. E sob o olhar das ditas Igrejas, a lançaria pastores cuja função determinante será a de apascentar homens como se fossem ovelhas.

E agora o tempo vai partindo. Acrescentando ao que há de vir, aparelhos digitais e mecânicos que consumiram toda a vida que vier a existir, pois nesse instante, eis que tudo se fez novo e o que era velho não existe mais.