quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O buraco do Natal da Silva

Sentia-se o cheiro de nozes frescas na Rua das Consolações. No alto do morro, enxergava a árvore figurativa de um próximo Natal. E de fato, faltava apenas algumas horas para as mesas familiares ganharem pessoas em volta e muitas cores alegres. Era a chamada ceia natalina.

Adriano apenas estava naquela rua. Não pertencia a ela, mas ela pertencia ao garoto de cor marrom e olhos castanho claro. Se perderá a alguns anos por ali. Não tinha família, nem amigos. Não tinha casa, menos ainda uma cama. O que ele tinha era o pouco, mas restará-lhe o tudo. Era um brilhante contribuinte para toda aquela vizinhança. Sempre que precisavam de um quebra-galhos, lá estava ele, sempre disposto a ajudar por algumas moedas ou pão velho.

Chegava a noite. Glamorizava as meninas da redondeza com seus vestidos curtos e abertos nas costas. Entre os rapazes se sentia o cheiro de um perfume bom e novo. As fragrâncias se uniam ao gosto de um bom pernil assado a horas para ser alimento de famílias que por mais tempo viveram de alimentos orgânicos para manter-se em forma. E ao maltrapilho da rua, ficava apenas o pedaço requintado de um almoço frio e desgostoso. O seu cheiro era anulado pelas conversas exibicionistas de quem espera um belo presente que chegará a noite. Adriano tinha para beijar, afronte da estrela do alto céu, a única que ficou parada, talvez fosse a sentinela que guardava a imensidão dos raios de luz que transmitia a Lua. As outras estrelas, em constelação deveria ter ido se embelezar para também cearem entre si a noitinha.

Um tal de galo tornou-se subitamente o ponto principal na maioria das casas e todos seguiram-se na mesma direção, entraram em uma casa de oração com uma cruz ao alto. Ali as pernas despidas das moças se entrelaçam-se entre os balanços trêmulos em cima de um sapato alto e muito bonito. As senhoras enroscavam em seus pescoços um pano largo e grande e os seus acompanhantes tragavam o último instante de cigarro antes de entrar por entre aquelas portas grandes talhadas com imagens santas. Era a Missa do Galo, ouviu da boca de um garoto acompanhado de seus pais. E Adriano pensou: Missa do Galo? Mas onde será que entra o animal?

O menino ficou do outro lado da rua. Do lado de fora. Longe da grande celebração. Ele não era convidado. Deixaram-o de fora pois ele não tinha família, dinheiro e nem roupas bonita para estar entre os que estavam em multidão.

Acompanhou cada movimento do homem que vestia uma roupa estranha e meio prateada. Ficou esperando ver o tal galo. Mas o bicho não aparecia. E ali permaneceu, até que em fila, um atrás do outro, iam em direção a mesa que havia bem lá no fundo e que hora ou outra o homem se sentava por detrás dela junto com dois meninos vestidos de branco.

Acabou, e todos iam saindo entre abraços, beijos e felicitações de Feliz Natal. Era uma festa linda entre todos. Mas Adriano não fazia parte daquele mundo. Até que uma garota que aparentava ter a mesma idade do menino apontou para ele e disse alto e em bom tom: Jesus. O menino não entendeu, mas todos o olharam com admiração e foram em direção a ele, que foi se afastando do aglomerado de pessoas que pareciam ter encontrado alguém muito especial ali perto dele. Apareceu-lhe ao lado uma moça com um vestido branco e com a cabeça coberta por um lenço também branco que disse apenas: meu Filho...

Adriano acordou. Ainda faltavam dois dias para o Natal e sua lista de presentes era imensa. O sonho o fez correr rapidamente para a árvore de Natal de sua casa e pegar a lista que estava lá e rasgar. O menino compreendeu o sonho apenas na noite de natal ao ver na televisão que um buraco formado por uma chuva intensa em uma cidade distante, engoliu para dentro dele uma família inteira. E essa família teria o Natal com o Protagonista.

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