terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Janaína foi festejar

Janaína, a jovem da Ilha de Anchieta decidiu passar uma virada de Ano por aí. Escolheu seu melhor vestido, e foi um azul claro com retalhos brancos transparente. Ela era bela, assim como eram belos seus passos andados como se fosse a ginga de um samba bom. A menina mulher, subiu os morros e foi festejar com seus amigos, que os tinha como filhos.

Era sábado a noite, depois da meia-noite e lá ia a moça, sempre sorridente e acenando a todos por quem passava e o povoado se admirava com a doçura e delicadeza de Janaína. Ela tinha cheiro de rosas e o deixava por ali, entre as vielas esse cheiro de rosa branca, recém colhida em algum belo roseiral.

A festa estava acontecendo em todos os cantos, mas ela por sua vez decidiu apenas estar entre aqueles que de fato queriam sua companhia. Se afastou de quem queria a maldade e depositava nas praias perto de sua casinha. Ela foi para a floresta, para a cidade e também no mar. Ela estava onde as coisas eram positivas. Acomodava-se entre as pessoas que tinham sonhos e medos. Entre as crianças, jovens e velhos. Dava firmeza as casais e prosperidade para quem desejava iniciar um novo ritual de começo de ano. Jana, Janaína não se afastava dos seus amigos, mesmo estando presente nos lugares onde haviam lágrimas e risos. Ela podia sentir os corações. A jovem era o coração de tudo que há de bom.

Era tarde, e Janaína precisava voltar para casa. Talvez seu pai a estivesse procurando. Ou ela precisava dar uma organizada em alguns presentes que a noite de um ano novo sempre lhe guardava. Muitos admiravam a jovem que trazia uma singela harmonia as casas, as vidas... E ofertava-lhe coisas lindas e depositavam na beira de sua casa.

Janaína beijou as todos. Desejando-lhes um ótimo ano. Mas antes de sair, pediu aos jovens que entoavam em um luau em volta de uma fogueira, para cantar uma coisinhas. Todos a observavam. Os corações agitados pela festa, se deixaram envolver pela voz da menina de vestido azul e branco. Ouve uma festa maior no céu. As estrelas parecem ter fortalecido seu brilho próprio. E ao final, ela falou alto e em bom tom: espero a todos novamente em minha casa num dia dia dois de fevereiro. A festa é minha, para vocês meus amigos e filhos que eu amo tanto.

Ela saiu, pelas portas... E quem tentou acompanhar seus passos, se perdeu por segundos até que seus olhos não pudessem mais ter a certeza do que via. Era uma jovem bela, cheia de feitiço bom. Ela pode ser encontrada na Floresta, nas cidades... Mas em especial nas praias. Ela é uma caiçara de sorriso largo e gestos simples. Ela é rica, mas dá suas fortunas a seus filhos carentes. Dizem que o amor dela se dá quando se quer amor. E isso, é coisa que só uma mãe de verdade pode dar a seus filhos.

O Dô Sei Abá!

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O buraco do Natal da Silva

Sentia-se o cheiro de nozes frescas na Rua das Consolações. No alto do morro, enxergava a árvore figurativa de um próximo Natal. E de fato, faltava apenas algumas horas para as mesas familiares ganharem pessoas em volta e muitas cores alegres. Era a chamada ceia natalina.

Adriano apenas estava naquela rua. Não pertencia a ela, mas ela pertencia ao garoto de cor marrom e olhos castanho claro. Se perderá a alguns anos por ali. Não tinha família, nem amigos. Não tinha casa, menos ainda uma cama. O que ele tinha era o pouco, mas restará-lhe o tudo. Era um brilhante contribuinte para toda aquela vizinhança. Sempre que precisavam de um quebra-galhos, lá estava ele, sempre disposto a ajudar por algumas moedas ou pão velho.

Chegava a noite. Glamorizava as meninas da redondeza com seus vestidos curtos e abertos nas costas. Entre os rapazes se sentia o cheiro de um perfume bom e novo. As fragrâncias se uniam ao gosto de um bom pernil assado a horas para ser alimento de famílias que por mais tempo viveram de alimentos orgânicos para manter-se em forma. E ao maltrapilho da rua, ficava apenas o pedaço requintado de um almoço frio e desgostoso. O seu cheiro era anulado pelas conversas exibicionistas de quem espera um belo presente que chegará a noite. Adriano tinha para beijar, afronte da estrela do alto céu, a única que ficou parada, talvez fosse a sentinela que guardava a imensidão dos raios de luz que transmitia a Lua. As outras estrelas, em constelação deveria ter ido se embelezar para também cearem entre si a noitinha.

Um tal de galo tornou-se subitamente o ponto principal na maioria das casas e todos seguiram-se na mesma direção, entraram em uma casa de oração com uma cruz ao alto. Ali as pernas despidas das moças se entrelaçam-se entre os balanços trêmulos em cima de um sapato alto e muito bonito. As senhoras enroscavam em seus pescoços um pano largo e grande e os seus acompanhantes tragavam o último instante de cigarro antes de entrar por entre aquelas portas grandes talhadas com imagens santas. Era a Missa do Galo, ouviu da boca de um garoto acompanhado de seus pais. E Adriano pensou: Missa do Galo? Mas onde será que entra o animal?

O menino ficou do outro lado da rua. Do lado de fora. Longe da grande celebração. Ele não era convidado. Deixaram-o de fora pois ele não tinha família, dinheiro e nem roupas bonita para estar entre os que estavam em multidão.

Acompanhou cada movimento do homem que vestia uma roupa estranha e meio prateada. Ficou esperando ver o tal galo. Mas o bicho não aparecia. E ali permaneceu, até que em fila, um atrás do outro, iam em direção a mesa que havia bem lá no fundo e que hora ou outra o homem se sentava por detrás dela junto com dois meninos vestidos de branco.

Acabou, e todos iam saindo entre abraços, beijos e felicitações de Feliz Natal. Era uma festa linda entre todos. Mas Adriano não fazia parte daquele mundo. Até que uma garota que aparentava ter a mesma idade do menino apontou para ele e disse alto e em bom tom: Jesus. O menino não entendeu, mas todos o olharam com admiração e foram em direção a ele, que foi se afastando do aglomerado de pessoas que pareciam ter encontrado alguém muito especial ali perto dele. Apareceu-lhe ao lado uma moça com um vestido branco e com a cabeça coberta por um lenço também branco que disse apenas: meu Filho...

Adriano acordou. Ainda faltavam dois dias para o Natal e sua lista de presentes era imensa. O sonho o fez correr rapidamente para a árvore de Natal de sua casa e pegar a lista que estava lá e rasgar. O menino compreendeu o sonho apenas na noite de natal ao ver na televisão que um buraco formado por uma chuva intensa em uma cidade distante, engoliu para dentro dele uma família inteira. E essa família teria o Natal com o Protagonista.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Hey João, a Lua está ali

Entre as nuvens do céu escuro, observava o clarão da Lua ao fundo. Era um misto de luz fria e vento quente. E assim se prenunciava um eclipse da madrugada. Era ansiado por João e Rafael, como nos antigos tempos que se espera por uma profecia.
Os dois amigos confidencias, marcaram de se encontrar pela madrugada. Entre a prosa de um encontro solto e cheio de metáforas. Eles tinham em mente, passar a madrugada juntos. Revelando-lhes seus segredo e suas verdades. Era algo que uma dose de cumplicidade podia oferecer.
Era quase duas horas da manhã, mas o eclipse pelo qual se encontraram para celebrar, aconteceria algumas horas depois. Buscaram na cidade adormecida, a bebida certa para sacramentar a amizade construída em pouco tempo, mas alicerçada na esperança de conhecer mundos diferentes.

Entre os cigarros acesos e suas receptivas fumaças, sentia-se no ar as palavras ditas entre os bocejos e as frases soltas de um vocabulário juvenil. Eram frases desajustadas que somente entre amigos eram poemas de uma antologia poética da vida.
As latas quente de cervejas, misturadas ao goró forte de um alambique velho. Boca suja, ar ofegante. Assim estavam os dois caminhantes em busca do semi-brilho da lua e sua mística proteção astral. Eles estavam em busca de uma magia que se alinhava com a amizade.
Chegou a hora. Era o horário que tinham visto nos jornais que se daria o eclipse. Sentaram-se em uma praça pública, onde se enxergavam apenas um outro grupo de jovens. Havia um cheiro ímpar no espaço. Era uma erva quente e bem apertada. E entre a fumaça que rodeava o ambiente, parecia haver também uma fumaça sofisticada entre o céu e a terra. Talvez fosse o horário que traz por si própria, o seu momento de resfriamento, mas também podia ser...
Continuavam a falar, mas os olhos se fixaram no céu, nas estrelas e na Lua. Era redonda, brilhante. Nunca tiveram reparado na formosura que tinha em contemplar face a face aquela pequena esfera gigante. Era um redondo perfeito e que trazia dentro dela, o mito do Cavalheiro lançado sobre o dragão. Não viram o que muitos dizem ver, mas agradeceram por estar ali. Era um presente que a união desses afetos de tão pouco tempo os oferecia.
Passaram-se alguns minutos a mais do que haviam proposto as mídias para tal acontecimento. Eles pareciam pacientes. Tinham a delicadeza de esperar até que algo se manifesta-se sobre os olhos deles. Estavam altos pelos tragos fortes da mesma erva que outrora haviam presenciado pelo cheiro. E inebriado pelo líquido de cor amarelado que descia sobre a garganta, retirando os nós de questionamentos sobre a relação difundida entre as letras de um teclado preto.
Já quase amanhecia, e a Lua apenas sumia pelo simples fato de estar em sua hora de se recolher. Não houve eclipse. Ouve apenas uma voz ao final de tudo:
- Hey João, a Lua está ali.
Ouve um olhar desapontado de João. Parecia imerso de insatisfação. Estivera ali para ver com seu amigo uma acontecimento um tanto que histórico. Principalmente na vida de cada um dos dois.
Rafael, retirou de sua bolsa uma caneta e um papel. Escreveu nela, alguma coisa que somente seu amigo conseguiu ler. Parecia bom, devolveu tom aos textos de seu amigo sem tom.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Direito de ser ela

Gabriela desenhou no chão uma ampulheta com um pedaço de tijolo velho. Escreveu verticalmente seu nome dentro dele, substituindo a matéria areia, pelo seu pequeno projeto de vida. Para alguns, talvez fosse apenas um desenho que demarcasse um espaço, mas para os pouco chegados, sábia que aquilo trazia algo de místico. Era o sonho da pequena menina que sonhava em ser grande como a Sacerdotisa das velhas cartas de tarot de sua mãe, D. Iracema.

Trazia consigo a esperança de ultrapassados sonhos e movia seu mundo a partir dos pequenos retalhos de uma história mal contada pelos acontecimentos trágicos de uma vida sem ninguém.

O pai ela não tinha. Era almirante de um barco a vela que se perdeu no grande mar que lhe proporcionou o destino. Não o conhecera. Só sabia do pouco que lhe fora reservado como direito a um ponto de partida.

Envolvida em seus jogos e a ganância de prever o futuro, D. Iracema não tinha Gabriela. Perdeu a filha minusciosamente nas entrelinhas de um misticismo sujo e barato. Gabriela também teve que lançar-se ao mar. Navegar sozinha em seu apertado e cheio de furos barco.

Acostumou-se com a miséria de afetos dos que se achegavam comovidos por pena. Tragou em seu peito um ar de desdém e engoliu para dentro de si, as estranhezas subversivas de livros sujos de auto-ajudas, que a pouca intelectualidade lhe proposura ler.

Não pode voar em seus planos. Suas utopias, maiores que ela mesma, eram suas e pouco suficientes para sequer lançar fora o terreno baldio que se instalou em sua psicanálise barata. Teve sempre que aceitar os lixos ditos reciclados em seus solos, pois tudo se refinou num tom primoroso, drenando somente vermes de uma causa injusta.

Viveu com sentimentos filantrópicos. Daqueles que só favorece a quem de fato doa, mas nunca quem tem o direito de receber. Filantropismo não sustenta, não move. Apenas consome. E pensar que o sonho dessa garota era apenas ser grande.

O tempo lhe tornaria grande o suficiente para que pudesse perceber que era pequena. Delimitada pelo espaço. E que a mulher das cartas de um papel velho, era apenas um desenho mal interpretado de todo o avesso. Era pretensão demais para quem tinha tão pouco.

Faltava-lhe os pecados, as desilusões afetivas. Essa já tinham sido roubadas antes mesmo que ela pudesse ser gente. O espaço do lado de fora era maior que o que tinha por dentro. Era algo cheio de vazio. Uma limitação ponderada a regalias de laços desfeitos. Foram os desajustes tirados pelos seus pais. Que a fazia pensar com piedade deles também, pois pensava que também pudessem sido tirados algo da essências daqueles que apenas a gerou.

Furtaram o seu direito de ser Gabriela, Iracema, Beatriz, Sacerdotisa. Entregaram-lhe como tarefa a responsabilidade de submeter-se a não ter nada, ninguém e mais nada. Sobrou apenas uma hist´ria para ser contada por um contista qualquer. Num tempo qualquer. Em algum lugar, mesmo que seja qualquer. Gabriela tinha sonhos. O seu contador também. Isso fez com que ela apenas deixasse de existir nas linhas, para viver uma experiência longe daquela gente cheia de ódio e pecado. Ela partiu, mas deixando em seu coração uma volta.

domingo, 12 de dezembro de 2010

O jardineiro, a flor e a metáfora

Já não era dia, mas ainda datava sexta-feira, e o jardineiro continuava a cuidar fielmente do jardim de Beatriz, talvez ele ainda estivesse ali pelo fato de naquele período, os horários não eram os de fatos sucumbidos ao espaço do tempo.

Rafael, o jovem com experiência tamanha em adornar jardins, aprendera o ofício com seu pai ainda quando pequeno, por isso carregava em si grande aptidão com o que a natureza propunha a oferecer aos olhos de homens e mulheres que buscassem um jeito novo de contemplar a vida.

Beatriz era jovem e carregava consigo a beleza ímpar de um princesa desses novos contos de fada. Rafael era belo, inspirando em si, a perfeição de um amontoado de flores bem cuidados. Eram as diferenças encontradas sobre um mesmo espaço recortado pela imaginação de cada um.

O momento era favorável a uma prosa entre os jovens que demonstravam apresso imenso um pelo outro, devendo-se levar em consideração que já se conheciam desde pequenos. Sendo os seus pais, velhos amigos dos tempos de mocidade. Estavam acostumados a estar em alguns momentos juntos, mas nunca tão próximos, pois suas vidas tiveram rumos e situações diferentes daquelas sonhadas quando ainda brincavam e sonhavam apenas em mudar o mundo.

Beatriz demonstrava certo contentamento em ver Rafael ali, talvez trouxesse para fora de si esperanças, sonhos, desejos ou sabe-se lá o que. Mas talvez aqueles encontros, quase que mensais lembrassem a ela de quem era de verdade. A jovem perderá os pais em um acidente de návia que partia rumo a uma expedição missionária em meio a África, e como ela ainda era muito jovem, ficou sob os cuidados de sua avó, vindo a falecer alguns anos depois. Talvez a senhora só tenha esperado Beatriz crescer para poder partir também.

O jardineiro, era uns dois anos mais velho que Beatriz. Era quase um adulto, mas parecia um menino quando estava entre as flores. Morava com a mãe. Seu pai, morreu em meio a uma batalha travada na capital de sua cidade. Deixou para o filho, a esperança de poder encontrar nas flores, o elixir de uma vida justa, regada e harmoniosa. Plantou dentro dele, mesmo com as ausências, afetos sólidos e construtivos. Tornou o menino em um homem, dando-lhe espaços para os sonhos e medos. Abrindo as portas para o mundo mas também o trancando quando devaneios passavam e poderiam raptar a dignidade do menino homem Rafael.

Ao encontro dos dois na varanda, ouviu-se bem ao fundo, a trilha sonora que embalou a época dos dois jovens, que foram marido e mulher em suas épocas de brincadeiras. Era uma letra de beleza sem igual que dizia: “O amor é real, realidade é o amor / O amor é sentir, sentindo amor / Amar é querer ser amado¹...” Mas antes que as emoções começassem a aflorar a pele, apareceu-lhes entre ele a metáfora. Algo como a terceira pessoa do singular, não deixando espaço para que Beatriz e Rafael vivessem o que a tempos começaram, mas que nunca conseguiram consumar. E restou a metáfora amar o seu progenitor jardineiro. E a Beatriz, a metáfora também amou. Se sabe apenas que esse amor existe, mas quem alguém terá que ceder seu espaço para que a flor possa florir.

¹Love – John Lennon

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O tempo e eu

Assumindo a condição de infinitude, o tempo foi requerer ao seu criador o seu direito reservado de ser quem é e a plena justificação de suas horas prestadas de serviços gratuitos.

Questionou. Tornou-se os por ques em dilemas, onde só quem teria a resposta seria o seu mais chegado Kairós. Duvidou da física que a quantificou-o em movimento analógico, desenvolvendo assim um diagnóstico psicossomático, passando a assumir uma condição meramente humana para as análises de um Tal Dr. Saturno, senhor de tudo que cabe no espaço, sem as designadas linhas das certezas contextuais.

Chorar ao mundo, foi a maneira mais fácil que encontrou para demonstrar suas fragilidades. Juntou-se aos misticismos de uma tragédia próxima e aos ritos de uma geração desenfreada em comunhões aqui ou acolá. Dormiu o sono dos inocentes e massificou entre as construções de recônditos subconscientes, ao qual o mundo depreciou entre terapias e psicanalises.

Procurou ainda entre as sessões de psicografias, cartas escondidas de sua senhora mãe Gaia, que deixou-se morrer quando os seus filhos feitos em carne humana, entronizaram ao mundo seus reis particulares e seus temidos presidentes. Sábia ela que seu organismo nunca mais seria o mesmo com a miséria que um dia lhe entregariam no banquete da noite seguinte.

Encontrou seu fim onde havia promessa de vida abundante. Viu sua morte tão próxima que não sobraria tempode compor a sua melodia psicobiografica. Não teria com quem compartilhar cartas filosóficas. Ensaios metodológicos e menos ainda artigos fenomenológicos. Teve que se acostumar com o que diriam e inventariam a seu respeito. Temia aos contos de escritores “moderninhos” e roía de ódio pelas comparações paradoxais que moralistas pré-contemporâneos iram argumentar em seus cultos.

Foi se confortando, juntando suas coisinhas que espalhara pelos cantos subversivos e juntando tudo dentro de um grande saco desgostoso e apertado em meio a escombros e nucleares. Concentrou-se apenas em pegar tudo, não deixar nada como herança. Tornou-se egoísta. Eternizou o fim dos tempos, seus filhos mais novos e lançou sobre o que viesse depois dele a maldição de terem que aprender a serem homens.

Antes deles, só houve um dia de choro e ranger de dentes. Após eles, todos estariam sucumbidos a essa façanha pregada em evangelhos particulares. O mundo sem o tempo, seria a partir de um novo olhar metafórico, a depravação de um despejar da coisa cheia em sua forma vazia.

Deixaria como peso para os ombros, aquilo que futuramente chamaram de poetas. E sob o olhar das ditas Igrejas, a lançaria pastores cuja função determinante será a de apascentar homens como se fossem ovelhas.

E agora o tempo vai partindo. Acrescentando ao que há de vir, aparelhos digitais e mecânicos que consumiram toda a vida que vier a existir, pois nesse instante, eis que tudo se fez novo e o que era velho não existe mais.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Processo de ser mulher

Quando o dia começa cinza, deve-se ter em mente que é bom levar consigo, mesmo que sem nem resquício de chuva aparente, a sombrinha velha ao qual estamos acostumados carregar em algum canto de nossa bolsa, ou simplesmente chacoalhando entre os dedos de uma mão escolhida para ser portadora de tal gesto.

Assim também, é a vida de pessoas que transbordam junto as águas de um tempo as avessas, as lágrimas veladas em um coração cheio de buscas. São homens e mulheres que aprenderam com a vida, a intemperança dos gostos amargos tragados com a felicidade de permanecer e perceber-se em pé, mesmo quando o soprar dos ventos não são favoráveis.

As histórias se repetem em todos os cantos do mundo. São apenas rostos, nomes e casas diferentes, mas que trazem a marca de uma vida escolhida a dedo por querer continuar sem deixar que certas informalidades, deságüem de maneira descontrolada sobre os afetos e virtudes conquistados com os joelhos no altar que a vida proporciona.

Acontece na vida de todas as Anas, Marias, Soraias, Joãos, Felipes e Antonios. E aqui cabe contemplar o processo singular da beleza mais pura que se pode encontrar por detrás de um balcão amontoado de roupas, que traz consigo, um amontoado de questionamentos e algumas frustrações que é cabível a cada ser pensante que se compromete em ser gente.

Filotéia¹, jovem de olhos claros; mulher de sorrisos fardos de sentimentos sinceros e muito mistos. Representa em parte, a natureza que a mulher tem que assumir quando se depende dela, unicamente para manter o equilíbrio entre o ser e o estar. Talvez, se cada pessoa conhecesse uma dessas milhares de mulheres com os mesmos desejos e angústias, compreenderiam a beleza que se esconde entre as frases e pensamentos subjugados caretice.

Abrir o diário de vida dessa jovem, é como descobrir o porque ainda a desordem continua organizada. Ela carrega sobre os ombros, a esperança de ver um dia tudo mudar. Se abre um leque de possibilidades quando tudo parece não ter mais solução e devolve ao tempo o necessário para desencadear a civilização do amor, mesmo que chamadas de ingênuas e tolas.

Ser mulher é isso: acreditar quando não se há esperança. Ser o “sal e luz” do mundo. Descobrir entre a maquiagem forte a beleza de um rosto angelical que é aquele que é capaz de sustentar, mesmo na aparência de quando tudo parece querer desabar. É ver sobre os aspectos da estética, a imagem semelhante daquela que ouve tudo com o coração e realiza, por vocação, um chamado especial de viver intensamente por aqueles que ama. É notar que a vida dela não pode ser violada por mesquinharias de um machismo burro, ou de um feminismo enganador.

Filotéia é uma jovem prestes a completar seus vinte e tantos anos. É convidada a deixar de fato a vida de uma adolescente em transe, mas contemplar uma vida adulta, já experimentada antes mesmo dessa hora chegar, mas que agora recebe com a beleza do gosto de uma vida vivida com a intensidade. Encare-a e veja as sombras em seus olhos e o esmalte vermelho em suas mãos. É a mulher, que chega com o seu eterno coração de menina.

¹Filotéia – Feminino de Filoteu. ((Grego) - Philótheos: "phílos: amigo, e théos: Deus", "amigo de Deus", "que ama a Deus".)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A vida acontece no singular

Certo dia, Pedro fora tomado de vários questionamentos acerca de basicamente tudo que já tivesse ouvido. Acerca disso tudo, angustiadamente, sentou-se e tentou pensar.

As idéias pareciam voar dentro de sua cabeça. Era difícil manter-se fiel a uma única coisa, a um único caminho a seguir. Seria mais fácil, desejou ele, chegar naqueles ditos sábios do tempo; senhores da “razão”. Já que um jovem, quando pensa muito, é por hora chamado de tolo e um senhor de seus lá sessenta e poucos anos, de mestre da vida.

E foi exatamente o contrário que Pedro fez; não procurou ninguém. Acalentava em seu coração a vontade de descobrir e assim, não menosprezava sua capacidade de ser gente. Talvez, ignorar o que as outras pessoas dissessem, o tornaria de fato vivo. E de fato é assim. As verdades dos outros, são boas para elas e muitas vezes fatídicas para a construção pessoal dos outros. A experiência de cada um, só nos cabe sob o efeito de demonstração de vida, mas não nos pode em momento algum, privar que cada ser pensante ou não, tenha uma vida de escolhas e vidas próprias. Sem a doce ilusão de que se foi bom para mim, também será bom para você. É o grande engano da humanidade de julgar tudo pelo preconceito de ter medo de deixar o outro partir.

O mundo de Pedro, era particularidade sua. Mesmo que dividisse no espaço um lugar com outros corpos, seu lado subversivo era particular, não cabendo a ninguém, dizer-lhe o que é certo e errado. Não se pode querer comprar as descobertas dos outros. Não se doa bagatelas de afetos em troca de ter para si, o perfume particular que as angústias e as satisfações alheias produz.

O jovem, ainda sentado, decidiu que viveria a vida. Assim como lhe era de direito. Não se reservaria das novidades de um novo lugar; menos ainda menosprezaria a sensação estonteante de uma forte bebida quando lhe fosse ofertada. Deixaria morrer para si, as suas mortes. Aprisionaria os seus medos em si, pois é processo natural do homem sentir medo. Choraria, requerendo o direito de ser quem ele quisesse, e mais ainda, sonharia com um mundo fantástico, sem a preocupação de chamado de utópico ou ingênuo.

Chegou a hora em que ele resolveu balancear seus valores, seus planos e seus argumentos. Estava na hora, mais que na hora dele sentir de uma vez por toda a sensação da liberdade. Não era porque dependia de certa forma de algumas pessoas ou coisas, que deveria aceitar a o excesso de “mal” cuidado que haviam tendo com ele.

Pedro saiu pelo mundo, mesmo permanecendo sentado, estático no mesmo lugarzinho que a vida lhe reservou chamar de céu. Sim! Se céu é uma coisa boa, é um lugar que liberta e garante o direito das pessoas de serem livres e com isso, esse jovem de pensamentos frouxos, definiu sua vida pelo que sentia de verdade e não mais pelos aforismos alheios. A vida dele é particularidade sua, e quem não tem medo, que vida seus lados travessos, sem o medo julgativo dos outros.

A vida proporciona singularidades. Cabe a nós, torná-las plural em nós mesmos.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Fim de novembro na praia

Um final de semana na praia, costuma ser normal entre a geração que busca a paz das forças ocultas desdenhadas em estrepolias e festas. E no fim de novembro, foi mais um desses que Caio pode se deliciar com o sol quente de um verão que ainda não tinha chegado. Um sol quente, que deixou ardência e alguns sinais de queimadura litorânea.

Mas antes do mar beijar a fronte de Caio, vale lembrar que muito pode se acontecer com quem busca uma auto-afirmação junto de estranhos, vedados pelo sagrado sublime do local da mata.

Junto com Adriano e Bernardo, Caio resolveu dedicar um dia de sua vida a uma coisa nova. Uma fantasia revestida de sentimentos e buscas de certas nostalgias. Assim, adentraram-se a mata e ali puderam realizar todo o trajeto da alma e do corpo. Experimentaram em suas sensações, a realidade trasmudada em flashes de um inconsciente vazio de pensamentos mórbidos, só afim de brisar por alguns instantes a incapacidade de se tornar grande.

Nessa aventura, coube a cada um deles se afirmar diante aos símbolos da mata fechada, os valores de um encontro um tanto casual, mas que tornou-se reflexos da sabedoria que vem do alto.

Além disso tudo, Caio era novato nas histórias contadas na mata, enquanto os dois novos amigos, eram seres já mais habituados. Transpareciam um certo frescor e suavidade. Uma compatibilidade sem igual com o verde da floresta. Notava-se ao longe que os seres encantados, fisicamente se entrelaçavam entre as pernas e os braços dos garotos, que com sorrisos e frases soltas, entoavam um hino único de adoração ao momento oferecido pelo tempo, captado nesse espaço.

Ali naquela redoma de coisas verdes. Entre musgos e pouca folhas secas, que demonstravam que passou por ali um inverno não muito distante, não adiante e não muito atrás estavam eles, sentados em posição de contemplação. Era o encontro de um tal Deus com os seres pequenos e rarefeitos de misérias. Era o sonho da mata virgem encontrando-se com a insatisfação e a vida humana.

Dali por diante, os meninos tornaram se um, já que a natureza se permitiu também torna-se uma com eles.

O gosto de novembro se finda com três corações pulsantes em tom marrom e verde. Era o cheiro da terra, o gosto do mato e o salgado das lágrimas do mundo que inaugurava de modo inefável, a controversa história de uma mata sempre contemplada pelo oceano de águas claras.

Os três jovens? Encontram-se uno diante aqueles que conseguem dividir o tempo entre a mata fechada e a praia do fim de novembro.

sábado, 27 de novembro de 2010

O aluno de nº 19

A inteligência de Ramon, não era somada aos números da álgebra do professor Aílton, menos ainda descrito na gramática de D. Chica do Beabá, educadora mais velha do Colégio Irmã das Dores e muito sábia pelos contos e fábulas produzidas a décadas com o tear de experiências que desenvolveu em sua vida lecionaria.

Caligrafia feia, e frases estranhas rascunhadas entre as lições que a Geografia lhe propunha analisar. Era um aluno desajustado, escondido por detrás de um belo fundo de garrafas sobre os olhos e pincelado pelas roupas retalhadas e costuradas na confecção de sua avó Maria da Penha, outra senhora ímpar na proximidade da estátua monumental de um burro, símbolo da cidade.

Era um garoto questionador de si mesmo, mas nunca das razões do mundo. Sentava-se abaixo das pitangueiras do parque central e único por sinal e ali passava as tarde da semana toda. Logo que saía da escola, ficava para ali mesmo. Não se via mais vida naquele ser pequeno e estranho. A não ser pelo movimentar de páginas e mais páginas. Talvez fossem livros de fácil compreensão, também pudera, ele mal sabia ler ou escrever coisas grandiosas.

Ramon era filho da dona de casa Ruth e do tempo. Não conhecera o pai que morreu antes mesmo de serem apresentados. Assim dizia sua mãe quando questiona por ele sobre o pai: – esse aí morreu para mim e para você. Portanto, tão inocente era o garoto, que o pai morreu.

Não tinha irmãos, tinha primos. Não tinha amigos, havia um bocado de gente que simplesmente apertava suas bochechas. Não tinha nada, mas se contentava com o pouco e assim ia vivendo sua vida.

As horas passavam e o tempo ia se tornando escasso. Com isso, Ramon teve que aprender a ser gente. Foi difícil, mas o pobre órfão de pai aprendeu entre as linhas tortas a se comunicar com o mundo das letras e dos contos imaginários. Era visto ora ou outra rabiscando pequenos pedaços de papel branco com tinta preta.

Tudo ia se encaminhando bem quando, de supetão, ouviu-se uma voz trêmula, mas convincente de um canto da sala que disse: – Aqui aprendi a ler, agora vou embora pra aprender ser gente.

Ramon, que já estava na última série, levantou-se e caminhou em direção a porta. De cabeça baixa, não olhou para os lados e nem para ninguém. Era chegada a hora que o tempo lhe prometerá debaixo do pé de pitangas.

O jovem de olhos fundo de garrafas saiu da cidade. Fora morar com a Tia Gertrudes na cidade grande e lá iniciou-se no curso de Filosofia. Fora lido tempos depois alguns de seus pequenos textos em salas de aula e alguns dos seus livros tornaram grandes para o povo simples e essencial para o simples povo.

Ramon aprendeu com o tempo e o tempo lhe rendeu Ramon Levisnky.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O anel de ouro de Iolanda e o nome dado

Pelos morros do pequeno vilarejo de Anhagaba, se via ao longe a figura de Iolanda Gusmão, doce jovem de cabelos cor de mel que trazia em si uma beleza ímpar de todas as outras moças do lugar. Se escondia por detrás dos longos vestidos e era ansiosamente esperada por passar entre as vielas e escombros de uma terra de ninguém.

Pouco se sabia daquela jovem rapariga, que trazia em seu dedo anelar, uma aliança da cor do ouro e brilhante como a luz do sol, que resplendia aos olhos de quem ousasse olhar tão profundo sobre ele. Seria ela desposada de alguém? E quem deixaria aquela bela donzela desprovida de cuidados em um lugar onde as moças são rendeiras e os homens pescadores, tão ogros que eram incapazes de respeitar até mesmo a mãe do único padre da Capelinha de São Pedrinho, assim chamado pela imagem de um pequeno pescador encontrado a anos dentre os destroços de uma embarcação que antropólogos dataram a anos.

Anabel, a professora das crianças, dos jovens e também de algumas velhas senhoras, era a única que acenava com as mão a jovem Iolanda, que denotava certa felicidade ao vê-lá. Era como se os olhares se encontrassem e e as palavras voassem entre os pensamentos das vozes vazias e caladas.

A noite, Iolanda era vista sempre a beira do rio. Parecia companheira das águas calmas. Hora ou outra era vista olhando para o alto, talvez contasse as estrelas, mas muitas vezes elas não apareciam, mas era sempre vista balbuciando alguma coisa. Não se sabe ao certo o que ela fazia lá, mas quem passava ali por perto ficava sempre admirado com a completude que se instaurava entre a rapariga e as águas do Rio Laila, esse batizado com esse nome, por lembrar sempre da lenda que o povo de Anhagaba contava, de que a cada sete anos, é possível ver refletido sobra a água, a imagem nítida de uma índia, que fugindo de caçadores e homens maus, residiu próximo dali por muito tempo, até entrar no rio e entregar-se lindamente a morte em ocasião de um massacre a índios de sua tribo. Laila foi um nome dado meio que por improviso, pois nunca ninguém chegou perto da índia, pois os jovens pescadores da época, fizeram uma promessa a Virgem a quem eles tanto eram devotos, que cuidariam, mesmo de longe da índiazinha, como se cuidassem da própria Mãe do Céu. E assim foi feito. Pois quando ela entrou no rio, muitos a viram entrar e nunca mais sair.

Iolanda, talvez não conhecesse a lenda, pois não se comunicava com ninguém. Era possível apenas vê-la ora sorrindo, ora muito centrada em alguma coisa que nunca entenderam o que era de fato.

Iolanda e seu anel de ouro, era a coisa que mais deixavam as pessoas daquele lugar encafifadas. Colocavam todos num rodamoinho de pensamentos e aguçava a masculinidade dos pescadores, mas logo despertava algo de imaculado, trazendo sobre eles, a esperança que assolara o ambiente quando se via presente aquela jovem.

Nunca de fato, souberam quem era Iolanda Gusmão, nome esse dado pela professora do lugar. Achou-se apenas inscrito sobre a pedra que ela deleitava, sob as noites de lua cheia, a frase A lua que me banha é a mesma que me leva de volta. A índia nunca mais apareceu. E a jovem por sua vez, nunca mais foi vista, depois da festa de São Pedro, na capela de São Pedrinho. Deram depois dos acontecimentos, a alcunha de Virgem a bela jovem da Lua.